sábado, 12 de setembro de 2020

Quando a surdez é da alma...

Há um dado momento que marca cada fase de nossas vidas. Hoje (12 de setembro), acredito que estou num deles (reflexiva), vivenciando a primeira aula integral remota com um professor surdo – “inédita no mundo dos surdos” (NEMBRI, 2020)... Após mais de meio século de vivências, acreditando que compartilho a vida e as experiências com o meu próximo (às vezes pouco próximos e outras vezes com desconhecidos que cruzam caminhos), hoje percebo que muito deixei de fazer quando ainda poderia fazer a diferença na vida de tantas pessoas... Inclusive na vida da minha mãezinha, que teve perda auditiva bilateral severa na primeira infância em (provável) decorrência/sequela da meningite, sendo agravada ao longo da vida e perdendo os poucos sinais sonoros e a leitura labial gradativamente em sua fase mais adianta. Assim, acostumada à comunicação por meio da leitura labial, ensinou-nos a viver e conviver - o que, com o passar do tempo e a condição degenerativa da doença na senescência, precisou de muita criatividade e conexão de almas para dar conta do que verdadeiramente é imperceptível: o dia a dia, as necessidades básicas e a manutenção da amorosidade que sempre esteve presente.

Se não fiz o mal (creio nisso), o bem mais necessário, posso ter deixado de fazer. Por desconhecimento ? Por imaturidade ? Por dar mais atenção e valor a outras ações ? Talvez um pouco de cada ? Sim, reconheço minhas limitações. Mas, sem negar e reconhecendo, também, o quanto abro meu coração e minhas muitas horas de vida em prol do outro (fruto do autoconhecimento). Então, deixando a “culpabilidade” de lado (outro valoroso fruto do autoconhecimento), mergulho na correnteza dessa grande questão que foi minha companheira por mais de cinco décadas: o mundo das pessoas com deficiência auditiva – perda (seja leve ou total) da capacidade auditiva.

Primeiramente, quero deixar aqui meu entendimento sobre a temática, regado de gratidão em conviver com pessoa tão doce, serena e guerreira que foi minha mãezinha, mas também em conhecer, nesse momento de minha vida, tão nobre e encantadora pessoa que não somente sonorizou a surdez da minha alma, mas também iluminou a minha visão (mais à frente relatarei e vocês entenderão o porquê). O Ministério da Saúde define surdez como sendo o “nome dado à impossibilidade ou dificuldade de ouvir” – o que remete a alguma causa, congênita ou adquirida, que afeta o sistema de audição. Mas, se sou dotada dessa audição, o quê muitas vezes me impede de ouvir? E paro para ouvir silenciosamente a voz ensurdecedora de meus pensamentos...

Faço uma viagem ao tempo e penso no que poderia ter feito ainda quando trilhava pela estrada da Educação, como por exemplo: incluir a disciplina de LIBRAS no currículo escolar e, consequentemente, incluir o aprendizado da língua no universo dos vários profissionais da Escola. E não somente abrir as portas para o aluno surdo (ou com a diversidade de classificações da deficiência auditiva); nem apenas conviver com pessoas surdas; nem tão pouco, me desculpando por não compreender sua forma de comunicação. Sim, uma escola que todos os sujeitos possam ensinar e aprender com suas particularidades! Imaginem, por exemplo, a alegria dos miúdos (e a nossa, dos bem graúdos) ao conseguirem estabelecer uma conexão com outra pessoa em outra língua - o que nos tornaria bilíngues segundo o currículo, mas de fato humanos conectados naturalmente e com uma valorosa bagagem no avançar da vida...

Não precisamos, por exemplo, esperar uma lei para chancelar uma prática tão humana e educada quanto às atitudes básicas que aprendemos desde cedo: “dar bom dia, agradecer, pedir licença, etc etc”... Mas, se para tornar factível a convivência humana num mundo de multiplicidades, que venham as leis! E que sejam cumpridas, atualizadas e em acordo com as transformações dos tempos, a diversidade cultural e as necessidades da humanidade. Neste contexto existem algumas iniciativas no Brasil que fundamentam o universo das pessoas com deficiência auditiva: desde a tardia regulamentação da Língua Brasileira de Sinais, em 2005, pelo Decreto nº 5.626, mesmo sabendo que a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) entrou em nossa pátria (mãe gentil) em 1857, mas somente depois de mais de um século e meio é promulgada a Lei nº10.436/2002, reconhecendo a LIBRAS como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda; quase dez anos depois, é criado o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Plano Viver sem Limite, por meio do Decreto nº 7.612/2011 e, em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência e o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146.

Tão materna quanto a nossa língua Portuguesa, é de fato todas as línguas que permitem nos relacionarmos com a compreensão de seus códigos, sinais, estruturas e sistemas. Cada qual com suas características e todas igualmente ricas, complexas, “desbraváveis” e que deveriam ser conhecidas por todos (NEMBRI, 2020, p.1). Que maravilha seria se, desde a mais tenra idade, pudéssemos nos comunicar sem prejuízos para as partes, utilizando as ferramentas disponíveis por toda a sociedade, e assim naturalmente e respeitosamente nos relacionarmos, seja usando a língua portuguesa, seja a língua de sinais, dando movimento ao amor ao próximo e mantendo vivos e ativos nossos princípios e valores, base de nossa essência, por natureza humana.

Quanto à maternidade (não sobre a língua e sim sobre a nossa), a ciência comprova que nascemos únicos e por isso temos nossas especificidades (“Somos obras exclusivas”, NEMBRI, 2020). Contudo, passamos muito tempo de nossas vidas buscando explicações e tentando aceitar nossas limitações e diferenças (quando essas são visíveis ao nosso olhar, ou melhor, à possibilidade de ouvir a nossa alma). Levamos outro tanto de tempo para reconhecer a igualdade nas diferenças. Lutamos para que os outros compreendam como somos. E deixamos para depois (e às vezes muito depois), aceitar e compreender o outro no seu universo particular.

Reconhecendo que tudo dito aqui só pude externar, porque me permiti a reflexão; colori os conhecimentos compartilhados (em especial, nesta aula de Educação Especial – áudio comunicação) e os vejo borbulhando em minha mente (já não tão surda); me reconheci como agente passivo (embora difícil de aceitar e declarar) desse contexto, despertei para a ação (ainda muito limitada) e estou pensando nas ferramentas que posso usar (por exemplo, estas palavras para os ouvintes, externando o colorido que ganhei para os meus conhecimentos). E, lógico, porque tenho o domínio da língua dos ouvintes, mas sabedora (por experiência própria) de que muitos irão ouvir e outros (assim como eu estive por longo tempo) ainda permanecerão na surdez e na cegueira de sua alma.

Minha limitação não está somente no reconhecimento dos fatos e naquilo que pode ser um novo começo, mas na inquietude e na sensação de impotência ao me relacionar com as especificidades do outro (neste caso o surdo físico, pois não possuo domínio na Língua Brasileira de Sinais – o que reconheço, também, que oportunidades não me faltaram ao longo da vida). Já sinto que venci a surdez da alma e tenho certeza que conseguirei estabelecer gradativamente boas e frutíferas conexões. Posto que em qualquer língua, a humanidade luta por seus ideais (o que me remete às leis da natureza - outro capítulo para boas reflexões e ações).

Se vocês leitores ouvintes ou não audíveis que dominam as duas línguas, leitores de almas e tradutores de LIBRAS quiserem mergulhar também nesse despertar, sugiro que deem uma espiadinha no Instagram @armandonembri . Esse autor é o segredinho do meu despertamento. Obrigado, Professor !


Em tempo: 

Compartilho, também, as leituras que pude fazer nessa última semana e que me ajudaram a construir tantas reflexões... Entre outras publicações do autor na coletânea indicada abaixo, no Instagram e por meio de suas expressões durante a aula:

NEMBRI, Armando. Um surdo definindo a surdez... e em bom português. Coletânea de textos para reflexão da disciplina Educação Especial: Áudio e Comunicação - acessibilidade atitudinal e introdução a LIBRAS. Educação Especial, Universidade Veiga de Almeida, 2020.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Quero merecer te (re)encontrar...

Não tenho lembrança de meu preparo e planejamento espiritual para esta vida. Mas aqui estando e tentando cumprir os propósitos desta encarnação, tive o privilégio de ser filha por 56 anos da minha doce e guerreira mãezinha, carinhosamente chamada por todos de Vovozinha Carmen (1922-2018).

Dia 20 de setembro é uma daquelas datas que marcam nossa vida. Ano ? Não de um ano qualquer, posto que encerrou mais um capítulo de aprendizados, ensinamentos e experiências vividos por ela; mas, de um número que não faço questão de lembrar, por permanecer em meu coração e manter viva as melhores lembranças de nossa convivência...

Seu legado de valores, sua base de princípios éticos e religados ao plano divino (digo: religiosos) me dão forças e determinação para acreditar nas possibilidades e potencial humano, superar os bloqueios e preconceitos invadidos em meu ser, e seguir com coragem os próximos passos desta minha existência. Pois sei que não fui tão boa aluna, como ela merecia ter enquanto mestre.

Muitas leituras, reflexões, diálogos em terapia, em grupos de estudos sobre as leis da natureza, sobre o universo, os planos e dimensões da vida - humana e espiritual, tenho realizado na ausência do meu livro vivo - que foi minha mãezinha. A convivência com filho, irmão, esposo, familiares e amigos (antigos e novos), me fazem processar essa grandeza de ensinamentos e me provocam para a prática no dia-a-dia.

Assim, essa minha musa inspiradora, que ainda em vida, permitiu, também, ser minha primeira experiência para a prática dos estudos que venho desenvolvendo no contexto do envelhecimento e, posteriormente, tornou-se minha inspiração para novos estudos, dedico meu agradecimento maior neste momento de finalização dos TCCs das especializações em Psicopedagogia (UVA / RJ) e em Neuropsicologia (UNIARA / SP). 

E, ainda, motivada a dar continuidade à minha investigação científica sobre a intervenção cognitiva no contexto do envelhecimento, agora mergulho nos princípios de Maria Montessori adaptados para esta fase mais adiantada da vida; e com a perspectiva de me lançar numa pesquisa de campo, seja para auto-conhecimento, seja por um aceite em alguma linha de pesquisa acadêmica. Mas, na certeza de que inicio novas buscas e possíveis realizações para o meu aperfeiçoamento espiritual e das relações (intra-inter)pessoais, que tenho o privilégio de com elas aprender e enchergar nas coisas mais simples e mais importantes da vida, o amor e a doação.

O porquê de tantos investimentos ? Quero merecer te (re)encontrar, mãezinha !






sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O que mais te excita e gera curiosidade ?

(Publicado em janeiro/2016 - revisado em novembro/2017)

O cérebro é para mim a parte mais excitante e curiosa do nosso corpo! Fico perplexa com a sua complexidade e vulnerabilidade.

É impressionante como a alteração numa microscópica substância no meio de uma circuitaria gigantesca pode ser co-responsável por deflagrar doenças devastadoras em nosso cérebro, como por exemplo, às neurodegenerativas: Doenças de Alzheimer, de Parkinson e de Huntington, Ataxias Espinocerebelar e de Friedreich, Atrofia de múltiplos sistemas, Esclerose Lateral Amiotrofica, Atrofias muscular e bulbar espinhal, entre outras.

Muitos são os investimentos em pesquisas, mas poucos e a longínquos prazos são verificados resultados satisfatórios para tratamento dessas doenças. E a cada descoberta, novas portas se abrem para um universo de possibilidades.

No caso específico do estudo que realizo sobre a Doença de Alzheimer, já se sabe que ocorre uma deficiência em dois dos principais neurotransmissores responsáveis pelos sinais mensageiros no cérebro, importantes na aprendizagem e memória - neurotransmissores acetilcolinesterase (AChE) e N-methyl-D-aspartato (NMDA).

A respeito do neurotransmissor AChE, envolvido diretamente nos processos motores, cognitivos e da memória, e que nos pacientes com DA é observada uma grande deficiência, mamãe faz uso de rivastigmina desde o diagnóstico da doença (17 anos) para regular a quantidade necessária de acetilcolina (ACh) no cérebro.

Em se tratando da ação deficitária de NMDA, iniciou em junho do ano passado o uso de uma substância relativamente nova no mercado quanto à indicação para a DA: a memantina, que atua no receptor NMDA regulando a entrada excessiva de cálcio no neurônio - o que é tóxico e contribui para a morte neuronal. Após seis longos meses de uso dessa substância associada a muitas terapias, já observamos com muita alegria alguns benefícios sobre a cognição, as atividades de vida diária e o comportamento, como por exemplo: diminuiu a rigidez muscular da mão direita, apresentando respostas aos estímulos de pega, embora não tenha firmeza para segurar objetos e executar os movimentos de escrita; recuperou o interesse pela leitura, ainda bem reduzida a palavras e expressões; voltou a usar linguagem simples para fazer perguntas, expressar desejos, emitir opinião e verbalizar algumas sensações, que embora apresente dificuldades de elaboração do pensamento e esqueça o que falou no minuto seguinte, são conquistas surpreendentes.

Com uma ajudinha extra (a medicamentosa e as diversas terapias) e a capacidade do cérebro "de fazer novas combinações entre seus elementos e de mudar a eficiência das conexões - as sinapses - já existentes" (Herculano-Houzel), mamãe segue com um novo ritmo.

Infelizmente, por um problema auditivo de infância e pelas limitações motoras decorrentes da queda ocorrida ano passado, ela não consegue participar das terapias correspondentes - musical (que já eram bem restritas mesmo quando usava aparelho auditivo) e manual (a pintura e o artesanato que ela tanto gostava).

O tratamento inclui as terapiasmedicamentosa (rivastigmina e memantina) e não medicamentosa (terapias cognitiva e social, fisioterapia e tratamento fonoaudiológico). Este conjunto que faz parte da rotina diária de nossas vidas, ajuda mamãe dar boas "rasteiras no Alzheimer". Não tem folga, feriado e férias. Começa com o dia e termina ao deitar. Tudo é motivo para garantir uma boa estimulação (seja cognitiva, motora e/ou relacionada aos processos da memória), participação em atividades sociais e de vida diária, tornando a nossa rotina mais prazerosa.

Mais perplexa fico a cada dia com essa senhorinha miúda, de 93 anos e 17 anos, firme e forte, na luta (mesmo que inconsciente) pela desaceleração da doença de Alzheimer; que se reinventa após sequelas de algumas quedas e viroses; que encanta todos que a conhecem e aqueles que desejam conhecê-la; que a alegria não lhe falta e é contagiante.

Ahh, sem sombra de dúvida: o cérebro é a parte mais excitante e curiosa do nosso corpo ! E mamãe é a comprovação desta afirmativa. Você duvida ? Então, experimente....

      
                     
... Fazer escolhas; exercitar a atenção, o pensamento lógico; vivenciar experiências com desafios mentais carregadas de significado;

                                    
          ... exercitar a linguagem e interagir socialmente, museando o ontem, o hoje e o amanhã.

São tantas as possibilidades de estimulação dessa circuitaria complexa e cheia de surpresas ! Isso é só uma pequena degustação do que pode ser excitante e curioso !
     
     

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O dia que viveremos uma única vez nesta vida

Rompi o medo e o desconforto de falar sobre o dia que viveremos uma única vez nesta vida. Aquele dia que não contaremos com um novo amanhecer para colocar em prática nossos sonhos e desejos; para corrigir percursos infortúnios, começar aquela caminhada matinal que o médico recomenda, olhar nossos entes queridos e dizer o quanto os amamos, fazer aquela louca viagem... O que me inspirou ? Vamos lá... 

A experiência de mamãe na fase avançada grave da doença e quase chegando aos 95 anos, coloca à prova a fragilidade humana. Me aproxima, por obrigação, de uma temática nenhum pouco prazerosa: a morte. Mas, ao mesmo tempo me ajuda a olhar a vida sob outros ângulos e redimensionar os problemas. 

Ao viver quarenta dias debruçada em um leito de hospital, no início deste ano (2017), sentindo o sofrimento de mamãe, ouvindo palavras cuidadosas dos profissionais, mas por vezes carregadas de desesperança, assistindo a morte bater na porta ao lado..., a ficha cai na certeza de que todos nós temos um dia reservado para viver este momento único: a morte - anunciada ou não, é a única experiência que certamente não irá se repetir nesta vida. Não sei quanto a vocês, mas eu não me planejo para ela, não espero por ela, não gosto de falar sobre ela e, ainda assim, insisto em alimentá-la quando mantenho níveis elevados de estresse, quando cometo abusos gastronômicos sucessivos, quando deixo de fazer exercícios físicos e mentais, quando não me livro dos maus pensamentos e sentimentos, quando acumulo vibe negativa, quando deixo de respeitar o meu tempo, minhas prioridades, meus desejos... (sem exageros para não cair na vaidade, no egoísmo e no egocentrismo - lições já aprendidas há long time).

Diferentemente, o viver, se renova a cada vinte e quatro horas. Não lembro bem a hora que nasci, mas até aqui, já repeti essa experiência mais de 20 mil vezes com planejamento e abençoada com o dia seguinte - o que me enche de novas oportunidades para firmar as lições do bem viver e os valores que sustentam minha essência nesta vida. 

Sei que não é proibido entristecer, sentir dor e raiva, por exemplo. O mais importante e digno de roubar meu tempo de vida, é encontrar respostas para o que irei fazer com esses sentimentos e qual o real valor que irei atribuir a cada revés desta trajetória. Não posso super valorizar algo que não me faz bem. Viver de forma produtiva, qualitativa e equilibrada contribui para que a vida possa se tornar uma experiência de longo prazo, mas se eu fizer por onde (alimentar corretamente minhas horas/vida). 

Quero viver o momento presente da melhor forma possível e consciente de que sou um ser humano em buscar de aprendizado para meu processo de evolução. E quando minha natureza rude for mais forte, devo ser ainda mais firme no exercício do silêncio, da compaixão e do perdão - me perdoar, perdoar o outro e pedir o perdão. Espero continuar renovando forças diariamente para manter-me em equilíbrio nesses exercícios até que se transformem em competências desenvolvidas, me afastando cada vez mais da natureza rude de ser e viver.

O grande barato dessas "descobertas" (nem um pouco novas) está no fato de que aprendo todos os dias, especialmente e principalmente, com minha doce mãezinha (a vovozinha Carmen), e com as pesquisas e os estudos que tenho realizado sobre Cuidados Paliativos para dar conta de manter a qualidade de nossos dias e não precisar contar os dias de nossa convivência. Venço medos, enfrento desafios e limitações que surgem a cada novo dia. Vibro com as pequenas expressões que ela ainda mantém em reservas inexplicáveis de memória e com os simples movimentos que ainda consegue realizar, mesmo que não se repitam mais. Aprendo, ainda, a transcender e a usar essas lições em meu benefício e na convivência com outras pessoas, compreendendo melhor o momento da escala evolutiva do outro.

Nesse jeito de viver, prossigo desenhando e exercitando a melhor performance de reações diante do meu semelhante e dos reveses da vida. Consciente da certeza de que um dia (espero que muito distante) a morte me roubará (sem planejamento) as novas chances de amanhecer nesta vida. Vale a pena, então, corrigir o quanto antes minhas atitudes e exercitar o amor nas suas mais diferentes formas, do que deixar para resolver conflitos no final da linha da vida - ainda que eu consiga ganhar bônus de tempo/vida para isso.

#simplesassim

Vovozinha Carmen me inspira - na Escola da Vida, não poderia ter melhor Mestre para o exercício do meu processo de evolução !  Obrigado, Pai Celestial !  🙏🙏🙏





domingo, 14 de maio de 2017

Homenagem às mães

Hoje é o dia simbólico de homenagem às mães. Nestes últimos minutos do dia, agradeço à Deus pela benção concedida de poder viver mais um dia com meus amores. Assim como todos os dias do ano (deste e de tantos outros já vividos), me entrego ao amor de mãe e de filha, aquecida pelo carinho do meu filho e de nossa tão amada mãezinha-vovó Carmen. Lógico que, por razões óbvias, ela sempre rouba a cena !
O neto Eduardo no Aeroporto Internacional do Galeão
transportando a vovó para o carro ao chegar para
passar as férias de verão (dezembro/2014).

Mais um dia que pudemos ver o seu sorriso, embora muito tímido; ouvir sua cantoria, mesmo que parte dela seja entremeada com balbucios; olhar em seus olhos e decifrar seus desejos e necessidades, mesmo não conseguindo entender todas eles/as; ver televisão abraçados e de mãos dadas; lamber a tijela e nos deliciar com um bolinho caseiro de laranja; participar do encontro com familiares, mesmo mantendo-se em silêncio; curtir aquele momento de inversão dos papéis - o colo gostoso que antes era o da vovó, o aviãozinho de colher nas refeições que era para o neto, agora o neto devolve com muito carinho cada um desses mimos - lindos de ver e de viver essa experiência .

Mais um dia que fomos  aquecidos com seu jeitinho e olhar doces;  que pudemos envolvê-la em nossos braços e beijar sua face, sem nada esperar em virtude das atuais limitações motoras... 
Mais um dia que aprendemos com essa experiência: superar com alegria as angústias e dificuldades que a vida traz; exercitar a amorosidade e a paciência com todo o cansaço imposto pelos cuidados (hoje já na condição de paliativos) ao longo do dia.

Como não tenho o poder para definir o tempo de nossa convivência, me aproprio das palavras do padre Fábio de Melo, para externar a escolha que faço diariamente: "Eu não sei quanto tempo tenho. E porque não sei, eu resolvo que a melhor forma de viver esse tempo presente é amando. É vivendo este espaço onde eu posso dividir com ela as minhas habilidades com as suas impossibilidades. Este tempo em que nós nos misturamos um ao outro. Este tempo em que a vida me permite olhar para ela para decorar cada detalhe deste ser que é sem dúvida, sem medo de ser injusto com todos que já passaram pela minha vida, a pessoa que mais deixou marcas no meu coração. Então eu descubro que eu tenho a oportunidade de dar a ela a minha melhor parte, já que eu não sei quanto tempo ainda tenho."

Parabéns mamães (amigas e familiares) que habitam nossas vidas ! 
Obrigado, meu Deus, por me confiar a guarda e a educação deste meu lindo filho, Eduardo; e por me entregar aos braços da minha linda mãezinha, Carmen.

Ps.: Enquanto escrevo, o tempo não pára... e o hoje já virou ontem com lembranças maravilhosas de meus dois amores, nos papéis de filha e de mãe, renovando as energias para mais um dia. #FUI !!!


terça-feira, 26 de julho de 2016

Quando amar também dói.

Chegou a fase do esvaziamento. Parece que tudo que eu pesquiso, estudo ou faço está um passo atrás do domínio do Alzheimer sobre a arquitetura neuronal de mamãe. O mínimo do mínimo de resposta, seja por pequenas sentenças, simples palavras, balbucios, gritos ou por meio de gestos, corresponde ao universo para se comemorar. E por mais que me informe sobre os avanços das diversas linhas de pesquisa e os benefícios já alcançados com os tratamentos experimentais mais promissores, ainda assim, só dão conta para os pacientes em estágio inicial da doença.

Tenho convivido com uma saudade imensa do crochê (mesmo quando errava os pontos), das pinturas com lápis de cor, da variedade e quantidade de jogos e exercícios cognitivos que fazia diariamente com prazer, das muitas vezes que folheamos um álbum num mesmo dia, das leituras com boas companhias (Ziraldo, Maurício de Souza, Rubens Alves, entre outros), das atividades de vida diária que realizava (dobrar sacolas de mercado e pequenas peças de roupas, secar potes plásticos e talheres, etc), dos passeios (turistando pela nossa cidade maravilhosa), do convívio com tantos corações fraternos, dos lanchinhos e pequenas compras no bairro, dos encontros com as amigas, enfim... confesso: é uma fase muito triste, sou tomada por uma dor indescritível. Dizem que é a dor do amor (já experimentei algumas, mas nenhuma igual).
                                       
Para aliviar a dor de amar conto com meu exército de corações fraternos (os familiares, os/as amigos/as e a equipe multiprofissional), mergulho em novas pesquisas e estudos. Nessa busca literária me deparo com a filosofia Hospice e os Cuidados Paliativos; me encanto com as palestras da Dra Ana Claudia Arantes. Ao refletir sobre a temática, me sinto a alguns passos à frente desta realidade; me dou o direito de deleitar nas lembranças e nas pequenas e simples reações de mamãe sobre os estímulos recebidos diariamente.

Por mais que me sinta impotente diante de tantas rasteiras que a doença tem dado em tão pouco tempo, tenho o privilégio de viver momentos intensos de carinho e de aprender muitas lições de vida, como por exemplo, não desistir diante das dificuldades. Já, inclusive, duvidei dos 90. Agora, aproximam-se os 94 anos de vovozinha. E mesmo assim, com toda a evolução (esperada ou não) da doença de Alzheimer, ela nos surpreende, encanta e arranca boas gargalhadas - curativo infalível para os males de qualquer dor. E se ela chegou até aqui mantendo a alegria e a vivacidade foi, também, porque continuamos a dar mais vida aos nossos dias do que, simplesmente, esperar que ela tenha mais dias na vida.
               
Para aqueles que, como eu, minha família e amigos, cuidam de familiares enfermos, deixo aqui mais algumas referências de estudos bem interessantes:
# alguns vídeos da Dra Ana Claudia Arantes:
- Cuidados Paliativos: https://youtu.be/Fa4ctd1uxNc
- Cuidando de quem cuida: https://youtu.be/Fr5WQEyPr4c
- Arrependimento: https://youtu.be/bAXHv1zrrYY
- A morte é um dia que vale a pena viver: https://youtu.be/uyt_6IWPoKE
# Cicely Saunders
# Academia Nacional de Cuidados Paliativos:



terça-feira, 10 de maio de 2016

A vida é feita de escolhas.

Há momentos na vida que valorizamos o olhar para dentro de nós. Aquele momento que nos faz pensar sobre nossa essência, nossos mais profundos desejos; que, por vezes, abrimos espaço para sonhar e projetar a realização dos sonhos; que pensamos na condição (espiritual, fisiológica e material) das pessoas que nos são mais valiosas; que nos transportamos para mundos tão diferentes do nosso; ou que simplesmente nos largamos ao vazio da mente e do coração.

Essas reflexões produzem resultados surpreendentes em nossa vida ! Positivos ou negativos ? Isso dependerá das nossas escolhas. O bom, o belo, o certo, o fácil ou o inverso de todos esses atributos são escolhas que fazemos. A base das minhas escolhas estão concentradas nos valores e nas crenças que carrego, bem como, pela avaliação que faço das experiências vividas e acumuladas ao longo de minha trajetória . Sim, a vida é feita de escolhas. E eu escolhi colecionar momentos de intensa felicidade, sempre muito bem acompanhada !

Quando distanciada da rotina ou até mesmo pelo devaneio da alegria, vivo minhas escolhas,  por exemplo, "cariocando" com vovozinha e quem mais chegar ...

                                         
                                                    Lógico que vovozinha não lembrará ! 
                                 Mas, eu lembrarei com emoção de todas as aventuras vividas !